Congregação dos Sagrados Estigmas De nosso senhor Jesus CristoPresente no Brasil desde 1910
Província Sta. Cruz

PÁSCOA 2020 - E quando amanhecer...

PÁSCOA 2020 - E quando amanhecer...

“...E quando amanhecer

O dia eterno, a plena visão

Ressurgiremos por crer

Nesta vida escondida no pão...”

Pe Jiucinei Vandes, CSS

          Quem de nós não pensa estar vivendo uma situação de constante ameaça, como se numa situação de guerra iminente estivesse? Entrincheirados dentro de nossas casas, alguns sentimos que o inimigo bélico está às portas, nas esquinas, esperando que, depois de dias sitiados, tenhamos que, em algum momento, deixar nossa segurança domiciliar, em razão da falta do necessário para suprimento do lar.
          Temerosos, toda essa situação soa, para a maioria, como uma noite escura que, por não permitir uma visão clara das coisas, provoca o nosso imaginário para fenômenos que nos amedrontam.
      Diante deste cenário, algo me foi reportado: como é fácil falar de abundância em tempo de fartura; como é fácil falar de paz em tempos de paz; como é fácil falar de alegria em tempos de festa; como é fácil falar da morte quando esta parece distante; como é fácil falar de esperança em tempos de consolação.
          No entanto, as facilidades são tão artificiais quanto são superficiais as situações concretas da “normalidade” do dia a dia.
                    Assim, diante de uma situação misteriosamente ameaçadora, como esta que aflige o mundo, o covid-19, cá estamos nós (ou pelo menos alguns) com uma dificuldade acentuada de levarmos palavras de alento, alegria, de vida, de esperança... Quem sabe porque não as temos para nós mesmos, pois, talvez,  nunca tenhamos nos sentido verdadeiramente ameaçados. De modo que palavras tão carregadas de significados como estas tenham sido usadas desprovidas do sentimento de compaixão que devia produzi-las, nos momentos em que a realidade parecia ser carrasca apenas para alguns.
          Tal não é mais a exigência da nossa realidade atual. Agora, ela ameaça a todos, sem exceção. Alguns, diretamente pela possibilidade de contágio pelo coronavírus; outros, pelos prejuízos econômicos que estão por vir. Alguns acham que a vida pode e deve ser relativizada em razão da economia. Outros acham que não se pode falar de economia sem que ela esteja a serviço da vida. E nós?
          Na hierarquia dos direitos, a vida é valor inalienável, indisponível, etc. Não bastasse essa noção legal do valor da vida, Jesus Cristo nos ensinou que a vida vem em primeiríssimo lugar; portanto, tudo mais precisa estar a seu serviço. E como ela estava sendo esquecida, talvez a ameaça queira nos lembrar.
          Estamos, pois, no tempo da Quaresma. Como costumeiramente tem acontecido nos anos anteriores, muitos estavam esperando para proclamarem com a boca o que não passava pelos corações tomados pelos apelos mundanos que tentam ofuscar as virtudes cristãs.  Desejos e palavras vazias de sentimentos de ternura e compaixão seriam repetidas como o fazem a cada Páscoa. Estavam à espera dos rituais religiosos programados para, paralelamente, usarem-nos para disfarçar nossa insensibilidade em relação aos sofrimentos de muitos.
          “Este povo me louva com a boca, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15,8). Ou “quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13). As palavras de Jesus, se aplicadas a este tempo que estamos vivendo e ao que acontece ao mundo, atualmente, podem nos remeter ao pensamento de que Deus talvez tenha querido nos lembrar que os nossos incensos já não podem mais encobrir a maldade dos homens.
          Por isso, embora não sendo de sua vontade, Deus pode ter permitido (respeitando a liberdade dos homens), que o mal acometa o mundo, de modo que este tempo quaresmal, de fato, produza efeitos de conversão de muitos filhos para o Reino.
          Claro que muitos relutam, pois acostumados com o “normal”, querem voltar às práticas antigas, na mesma situação denunciada pelo profeta “Ou seja, você que pisai os necessitados, e destrói os miseráveis da terra, dizendo: Quando passará a lua nova, para vender o grão? e sábado, para exportar o trigo, diminuir uma medida, reduzir o preço, e executar procedimentos com balanças enganadoras, para comprarmos os pobres por dinheiro, e os necessitados por um par de sapatos, e para vendermos o refugo do trigo? (Am 8, 4-6)
          Mas a nós, caríssimos, neste momento incerto, o que nos é pedido é que sustentemos a Fé. Não se pode, antes de esgotarem todas as possibilidades de manutenirmos a esperança de dias melhores, optar precipitadamente e em nome de um bem por natureza relativo (dinheiro), pela flexibilização de todo um esforço penoso e comum, para não sermos atingidos pela praga, sob pena de que venhamos precocemente morrer.
          “O justo vive pela fé”, (Hab 2,4). Quem tem fé espera naquele que acredita. Logo, a esperança se apresenta como expressão de fé. Vale dizer, pois, que o cristão vive pela esperança; esperança de que tudo, quando amanhecer, vai mudar, pois ressurgiremos por crer na vida escondida no pão.
Fé e esperança não são mais palavras a serem ditas aos outros, mas sentidas pelo nosso coração. Lembremos de Mt 6, 19 ss, e confiemos na Divina Providência.
          Como nos lembra um trecho da obra, O Pequeno Príncipe: “o essencial é invisível aos olhos”, “só se vê bem com o coração”. Não nos encabulemos, portanto, com o que se nos é aparente. Deus tem sua pedagogia e ela parece querer que olhemos para tudo que tem acontecido com os olhos do coração: os olhos de quem tem fé.
E quando amanhecer...

 

Abraço a todos. Abençoada Páscoa